Saturday, July 30, 2005

Luto

"O Comércio do Porto" morre hoje com 151 anos. Portugal continental perde a seu mais antigo jornal, o Porto uma referência histórica, eu o meu emprego... Agosto não será um mês de férias, mas de luto pela perda física e emocional e de luta por um lugar de trabalho e sustento. Guardo memórias e reflexões sobre esta semana negra e desconcertante para mais tarde. Desculpem-me, mas sinceramente, ainda estou um pouco abalado... vi e senti gente que admiro, companheiros de trabalho, amigos, excelentes profissionais a chorarem de impotência e desespero... a forma como o pessoal está a ser despedido de um jornal centenário numa cidade invicta faz-me lembrar, com todo o respeito, os operários de uma qualquer multinacional do calçado a laborar no Bangladesh... é revoltante a lógica selvagem do lucro sem rosto nem moral e a impotência e, por vezes, cinismo de algum poder político.

Thursday, July 28, 2005

Saldo da semana: compre um, leve dois

"O Comércio do Porto" e "A Capital"

Momento Zen do dia

Entrevistar Dulce Pontes no Aeroporto Sá Carneiro sobre um concerto cancelado e um disco por editar...

"9 Songs", Michael Winterbottom

Exercício de zapping entre National Geographic, Private e MTV2, "9 Songs" traduz o pior do cinema "indie" britânico. Depois do interessante "24 Hour Party People", Winterbotton recua na originalidade e apresenta um produto cansativo e pretensioso. "9 Canções" interrompidas por sexo e congeladas num iceberg com 69 minutos de banalidades. Black Rebel Morotcycle Club, The Von Bondies, Elbow, Primal Scream, The Dandy Warhols, Super Furry Animals, Franz Ferdinand, Michael Nyman são algumas das vítimas.

Sunday, July 24, 2005

Bonojour

Depois de uma semana plena de entrevistas chatas, entre belezas americanas de jazz/botox e hip-hop barrista com sotaque do Porto... fim-de-semana de coma, reservado à digestão de "Bono por Bono". Livro-entrevista de Assayas. Enquanto não chega a Nobel da Paz, trabalho forçado de arquelogia pop dos últimos 20 anos para consumo de fãs "harcore", com poucas revelações pelo caminho. Postura diplomática, estética "cool" de Bono ganham terreno à estrela rock que em página alguma chega a tirar os óculos D&G. Fixada a imagem de activista e católico, o registo afirma-se como um exercício paparazzi onde entrevistador e entrevistado ganham o que o leitor perde: uma oportunidade para repensar estruturas pop num contexto de criatividade industrial e ideologias instantâneas.
Após noite de caipirinhas com amigos, transformei a minha sala num aeroporto tipo OTA e consumi o livro de Bono enquanto esperava pelo próximo voo com destino a umas merecidas férias. Mesmo ouvindo "Dismantle" com olhos postos nos anos 80, seguindo receita médica (ac) não consigo evitar um gosto amargo no canto da boca. Mesmo com bilhetes acessíveis e viagens pagas não vou a Alvalade como não fui a Miami. Ainda tenho gravadas no cérebro imagens da ZooTV. Regresso ao Futuro no meu dicionário é um filme do Spielberg.

Thursday, July 21, 2005

Perplexidades

Hoje de manhã avistei um grupo de jovens a correr pela Rua da Alegria em direcção aos Aliados. Será que foi um arrastão?

Wednesday, July 20, 2005

The Ultimate Architects, "Soma"

Resultado parcial de uma conversa antecipando o show-case na Fnac/Stª Catarina, Porto. O excelente "Soma", primeiro longa duração dos The Ultimate Architects, a servir de ponto de partida. D. Architect, líder do quinteto lisboeta, entre delírios cinematográficos de Cronenberg aos perigos da manotecnologia, uma viagem pelo imaginário de um dos projectos mais interessantes da electrónica nacional que pode ser acompanhada na integra no site dos Ultimate Architects ou na versão impresa do Comércio de dia 17.
Registo mais do que importante para a renovação da electrónica "made in Portugal", "Soma" afirma-se como um trabalho pleno de uma maturidade anunciada em "Elevata". Em estúdio mais uma excelente produção de Armando Teixeira, com Luxúria Canibal a erguer-se num tema "Nanotecnologia", o epicentro conceptual de todo o álbum. Apesar do timing não ser o ideal para o lançamento discográfico, fica uma nota de atenção para um álbum consistente que ao "vivo" ganha uma organicidade interessantíssima, prometendo surpreender muito boa gente. Hajam concertos, muito e bons para o últimos arquitectos.

Monday, July 18, 2005

Crise no cinema: o verão de quase todos os descontentamentos

Actualmente Hollywood enfrenta a pior crise dos últimos 20 anos. Os aliens da "Guerra dos Mundos", "Batman" e o "Quarteto Fantástico" juntos não chegam para atrair mais público às salas de cinema. "Remakes" de qualidade duvidosa, aumento do preço dos bilhetes e ascensão do DVD são alguns amantes responsáveis por um divórcio que começa a preocupar a indústria. Se o séc. XX foi o da imagem cinematográfica, o XXI abre-se para outras paragens digitais. Na realidade, as salas de cinemas dos EUA e Canada estão cada vez mais vazias. As receitas de bilheteira em queda livre de 4,6 biliões de dólares para 4,2.
Parte do problema reside precisamente pobreza do filmes e na incapacidade da indústria renovar temáticas. Se o ano passado foi aborrecido, 2005 é para esquecer. As propostas vindas dos EUA são simplesmente previsíveis. Ir ao cinema deixou de ser uma aventura para se transformar num passeio pelo parque. Em 2004, o ano foi salvo pelo "Homem-Aranha 2" que arrecadou 180 milhões de dólares e em apenas seis dias; "A Paixão" de Mel Gibson que somou 370 milhões. Este ano seguem-se sequelas atrás de sequelas, adaptações da Marvel e o público já não quer saber de super-heróis, começando a perder a paciência e o interesse. Sobram comédias românticas e faltam ideias frescas, argumentos interessantes. Ir ao cinema é cada vez mais um exercício de previsibilidades. Os espectadores já não pedem para ser arrebatados, saindo das salas razoavelmente satisfeitos. O "ah não foi mau" substitui o "uau foi espectacular". Os cinemas europeus também não escapam à crise até por que 90 por cento dos filmes que exibem são "made in Hollywood". Na Alemanha as estatísticas apontam para uma queda de quase 20% na venda de bilhetes. Italia e França: 17%. Ao entrar no século XXI o cinema parece um entretenimento moribunda.

Friday, July 15, 2005

Textos extraordinários: Descobertas alucinantes do programa da Casa da Música

"A música é a mais popular forma de arte entre os jovens músicos portugueses... As novas criações revelam ideias, emoções, gostos, influências, de uma sociedade em constante mutação, permeável a toda a informação que lhes chega através da Internet, da televisão, da rádio, dos jornais, das sms e das outras formas de arte."

Texto extraído do folheto "Programação Julho 2005", da Casa da Música, "Concurso Estado da Nação - 1ª Eliminatória, sexta-feira, dia 15".

Casa da Música fecha para férias

Aparentemente, segundo o JN de hoje, a Casa da Música vai fechar na segunda quinzena de Agosto. A instituição encerra "para manutenção e limpezas profundas, mantendo-se aberta, apenas, a bilheteira para dar informações ao público", esclareceu o departamento de assessoria de imprensa ao JN, justificando: "entendemos que o período mais forte ocorre na primeira quinzena de Agosto, sendo a segunda, apenas, residual. Além disso, a própria cidade entra de férias nessa altura do ano". Palavras para quê. É Portugal no seu melhor estilo.
Depois de apenas pouco mais de três meses de trabalho a Casa da Música já necessita de "limpezas profundas"? Provavelmente ao nível do pessoal, acrescento. "A própria cidade entra de férias nessa altura do ano" é uma desculpa provinciana que releva toda a falta de ambição de um projecto de Estado.

Publicidade na televisão

"Se compro um Picasso, isso não me dá o direito de o cortar ou de pintar sobre ele e alterar as suas cores sob o pretexto de que é meu, de que o paguei e me pertence", Woody Allen.
"Interromper um filme, mortifica-lo com a inserção de spots publicitários, é uma acção criminal que deve ser regulada pelo código penal", Federico Fellini.
Estreia hoje na Espanha documentário "Cineastas contra magnates" do realizador catalão Carlos Benpar. Ler crítica no El pais.
Acrescentaria relativamente à penosa questão da inserção de spots publicitários entre filmes e da respectiva anulação de formato e créditos, de que, em Portugal, esta realidade conhece na TVI o melhor dos exemplos. É provavelmente o único canal exclusivamente dedicado à publicidade, embora por vezes, a interrompa com alguns filmes e telenovelas de gosto duvidoso. Sinceramente já não tenho paciência.

Tuesday, July 12, 2005

Tropas norte-americanas fora de Londres

Os cerca de 12 mil soldados norte-americanos, na sua grande maioria estacionados nas bases de Lakenheath e Mildenhall em Suffolk, foram ontem aconselhados para não se aproximarem de Londres. Familiares e pessoal de serviço receberam a mesma nota para se manterem afastados da capital britânica. Um porta-voz da USAF afirmou que se trata apenas de "uma medida de prudência para garantir segurança aos nossos soldados, civis e suas respectivas famílias". Uma medida que, para além de entrar em rota de colisão com o discurso do sempre destemido Bush, abre um precedente nas relações USA/GB. A resposta mais adequada de Blair seria, desde logo, retirar as tropas britânicas do Iraque, utilizando o mesmo argumento de segurança. Ou será que Londres é uma cidade mais perigosa do que Bagdad?

Artigo da semana: "The Thoughtful Superhawk"

"America did not change on September 11, it only became more itself"
"The Thoughtful Superhawk" título/hiperligação da entrevista de Susan Windybank a Robert Kagan publicada na Policy. Leitura obrigatória para compreender a origem de alguns pontos de atracção e repulsa entre Europa e EUA.

Perplexidades

Ressaca 2001 - Capital Europeia da Cultura travou trabalho de cruzamento e construção de novos públicos e sensibilidades artísticas na cidade, alimentando um novo-riquísmo latente na burguesia provinciana do norte. Actuamente, grande prémio de automóveis antigos de Rui Rio acelera na Boavista e a "Amália" (em versão internacional) de La Féria regressa ao teatro desta vez no Sá da Bandeira. Por vezes, sinto que a cidade, depois de parar no tempo, iniciou uma inversão de marcha rumo ao passado. Qualquer dia, ao cruzar a Av. dos Aliados ainda sou confrontado com uma ruidosa feira medieval.

Saturday, July 09, 2005

G8: Realidade e Justiça

Para os mais pessimistas um sucesso, enquanto para a maioria dos activistas uma desilusão. Provavelmente, ambos têm razão. O G8 conseguiu, por um lado, duplicar a ajuda para combater a fome e a SIDA em África, mas por outro, relativamente ao comércio justo e às alterações climáticas tudo permanece na mesma. Um olhar esquemático sobre as expectativas e a realidade saída dos G8.
1. Fome/SIDA - Inicialmente esperava-se 10b de dólares a partir de 2006, com 25b extra para África. No acordo final, Blair conseguiu 50b, mas só entram em acção - para grande descontentamento das ONG´s e activitas - a partir de 2010, ou seja quatro anos mais tarde do inicialmente previsto. Segundo a organização "Make Poverty History", em 201o, morrerá uma criança a cada 3,5 segundos. Um atraso que afecta ainda 40 milhões de pessoas infectadas com HIV. No entanto, mesmo os mais cinicos reconhecem a coragem e justiça da medida. Gedolf e Bono consideram-na como "um primeiro e importante passo rumo à justiça". O efeito "Live8" fez-se sentir. Fala-se de Geldof para Nobel da Paz. Entretanto, nota mais do que importante para os 3b oferecidos à autoridade palestiniana, um passo importante para assegurar a paz naquela região.
2. Dívida - Ministros das finanças dos G8 sublinharam, desde logo, que o custo do cancelamento da dívida dos 18 países africanos ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional custaria perto de 40b. No texto final, o perdão da dívida aos 18 é reactualizado com juros, atingindo 45.7b. Outro dos grandes avanços desta cimeira.
3. Comércio - Activistas denunciavam que os mais ricos gastavam 300b por ano em subsídios à agricultura para exportação, travando a entrada no mercado de produtos africanos. Queriam, desde logo, que estes apoios acabassem o mais cedo possível. O chanceler Gordon Brown avançou com data de 2010, tendo sido rapidamente descrita pelo comissário europeu para o comércio, Peter Mandelson, como "irrealista". A França aproveitou a boleia, querendo adiar a questão até 2016. Não houve qualquer acordo nesta matéria nem qualquer data avançada para terminar com os subsídios, formalizando assim um dos maiores fracassos de toda a cimeira. O G8 apoia cada país a fazer o que muito bem entender nesta matéria. O texto final apresenta, no entanto, uma nota de intenções, que aponta para "o compromisso de eliminar todas as forma de subsídio à exportação... até uma data crível".
4. Aterações climáticas - As expectativas dos ecologistas eram naturalmente elevadas, mais do que o reconhecimento do problema do aquecimento global do planeta devido à actividade humana, esperavam do G8 medidas firmes e urgentes, sobretudo na adopção de tecnologia amiga do ambiente. Se os EUA se aproximassem do tratato de Quioto seria um avanço significativo, pois, para além de serem o maior poluidor, são o único do grupo que ainda não assinou o tratado. O texto final admite a existência do problema e da necessidade de actuar nada mais. O plano saído de Gleneagles dá luz verde para uma série de conversações sobre energias amigas do ambiente com países industrializados como a China e Índia já a partir do próximo mês do Novembro. EUA não se comprometeram a reduzir emissões de CO2 ou a assinar Quito. Para os ecologistas, este G8 foi uma oportunidade perdida para realizar progressos na área ambiental.
Notas finais: Apesar de globalmente notável, a cimeira do G8 me Gleneagles, na Escócia, sobretudo no que diz respeito à ajuda a África, mais do que nas questões do comércio e ambiente, necessário será desenvolver mecanismos de controlo na atribuição dos apoios e um olhar mais atento sobre governos africanos. O problema da corrupção em África é uma das causas centrais da pobreza de um continemente geneticamente rico. Se não se efectivar um controlo maior sobre os resultados e aplicação deste apoio no terreno, os subsídios serão mais lenha para a fogueira.

Friday, July 08, 2005

As Cruzadas contemporâneas ou a maldição de Bush regressa à Europa

Nas manchetes da imprensa britânica de ontem podia ler-se "One Sweet Word: London." A cidade não teve tempo para ressacar a vitória olímpica sobre os eternos rivais franceses nem Blair para sorrir na Escócia perante um aparentemente fleumático Chirac. As explosões no Metro e nos autocarros londrinos acordaram o mundo ocidental para a fenómeno da terrorismo.
1. Quanto vale uma vida iraquiana?
É impressionante como perto 50 mortos numa capital europeia conseguem gerar mais de 12 horas de indignação internacional em directo, enquanto perto de 900 mortos de fome por hora em África são uma banalidade indigna de um simples rodapé no telejornal da noite. Será que um míssil Tomahawk lançado, por engano, sobre um infantário, em Basorá, não merece igual atenção mediática, 12 horas de directos e centenas de condenações internacionais com outros tantos pêsames à mistura? Qual o valor real de uma vida britânica em comparação com uma palestiniana? Uma criança russa é mais importante do que uma iraquiana?
A lógica do terror impõe-se como um monstro só quando bate à porta do vizinho mais próximo.
Cedo as ondas de terror se levantaram nos "mainstream media", recheados de emoção e pesar, ocultando, desde logo, a verdadeira natureza do "mal", da morte, legitimando a "protecção" e alimentando a "acção" do líderes no poder. As estações de televisão multiplicaram-se em reacções de pesar, em lamentações e condenações destes actos condenáveis por natureza. Falou-se de civilização, de choque de culturas, de estilos de vida em vez de se reflectir sobre o por quê, das razões do ódio, gritaram-se mensagens de guerra como "não nos vamos intimidar", "não vencerão". Bush cedo acusou estes "monstros" de "terem o mal no coração".
2. Não estará a Europa a colher o mal que semeou?
"On the one hand, we got people here who are working to alleviate poverty and to help rid the world of the pandemic of AIDS and that are working on ways to have a clean environment. And on the other hand, you've got people killing innocent people. And the contrast couldn't be clearer between the intentions and the hearts of those of us who care deeply about human rights and human liberty, and those who kill, those who've got such evil in their heart that they will take the lives of innocent folks. We will spread an ideology of hope and compassion that will overwhelm their ideology of hate." " G.W.Bush, 07/07/05
A explicação do presidente dos EUA para os atentados de ontem longe de ingénua é assustadora no sentido mais tétrico do reformular a história pós-moderna através da simplificação que oculta o essencial. Orwell há muito que deixou de ser um profeta. A política neoconservadora dos falcões da Casa Branca é uma das causas centrais destes ataques terroristas. Tende, sob a falsa moralidade da compaixão, converter o mundo árabe à "pax americana". Uma nova cruzada parece erguer-se. Novo milénio abre-se ao terror e brutalidade medieval exponenciada pelas novas tecnologias da guerra financiada pela Lockheed Martin, empresa que Lynne Cheney, esposa de Dick Cheney, vice-presidente dos EUA, tão bem conhece. Só os mais ingénuos se podem dar ao luxo de ficar surpreendidos com as explosões de ontem em Londres. Não estará a Europa a colher o mal que semeou e uma aliança com os EUA contra a opinião e o bom senso público?
Importa recordar que na mente de toda uma nova geração de árabes ainda está bem viva a invasão do Afeganistão, Iraque, uma substituição de ditadores, o desaparecimento, tortura e morte de familiares. As imagens de tortura em Abu Ghraib, que atingiram meio mundo em April do ano passado, podem ajudar a compreender o presente.

Thursday, July 07, 2005

Infantilização da estética feminina - parte II

Post conclusivo ou/e em aberto, tendo em conta a discussão gerada pelo original, "Infantilização da estética feminina", remeto para possíveis análises complementares, que derivaram parcialmente do "input" sobre estética/consumismo, para o excelente artigo "Consumismo" publicado no cinecultura.

Wednesday, July 06, 2005

Blitz à "24 horas"

Foto, capa e repectivo tema central do Blitz desta terça-feira são históricos sob vários aspectos. "As Canções de Engate - As músicas do Salão Erótico e as outras que fizeram lá falta" é uma afronta clara ao "24 horas" que parece finalmente conhecer no novo Blitz um insuspeito concorrente. A fotografia de capa remete para um universo porno-popular que, sinceramente, me surpreendeu, pois julgava ausente das apostas editoriais portuguesas ligadas aos universos musicais. Depois de piscar o olhos à NME, a mais recente metamorfose do Blitz revelou nesta semana uma pulsão pela vulgaridade unicamente comparável ao pior do audiovisual português ou à versão brasileira Blitzerótica. Espero pelo engano.

Cultura nacional a pique

Ballet Gulbenkian extinto pela respectiva fundação. Capital Nacional da Cultura em 2006 anulada pela ministra da Cultura. Companhias teatrais do Norte em coma induzido pelo Instituto das Artes. Entretanto, vamos ter OTA´s e TGV´s. É o regresso à política do betão.

Monday, July 04, 2005

"Live 8": Heróis ou hipócritas?

Não me chocou ver a área VIP em Hyde Park comprada por "colarinhos brancos", que, de costas para o palco e para o espectáculo, bebiam garrafas de D. Perignon vendidas no local a 99 libras, nem que Sir Elton John tivesse ido à festa no seu helicóptero particular. O cinismo de alguma imprensa britânica, com Independent em inevitável destaque, sobre o "Live 8" limita-se a explorar o óbvio, o previsível. Espantado ficaria, se a invejada aristocracia rock britânica deixasse os aviões em casa e fosse a pé para o concerto, num gesto de ascese medieval tipo Fátima, tão absurdo e inconsequente, ou que quem ajudou a pagar a conta no final da festa não tivesse direito a um lugar na primeira fila, com ou sem champagne.
Mesmo que tudo o resto falhe, G8 incluído, fica a certeza que, depois de arrumadas as guitarras, a aldeia global e a geração internet conheceram um evento que trouxe, mesmo que temporariamente, a questão africana para a agenda internacional e para o pensamento colectivo. Naturalmente, a pergunta que se impõe é se o G8 ouviu os acordes nostálgicos do "grand finale" com "Hey Jude"? (tema escrito por Sir Paul McCartney ao filho de John Lennon, Julian, após o assassínio do Beatle em Nova Iorque). Não será o G8 a causa do problema africano, mais do que a sua improvável solução? Certamente, ao ouvir McCartney poucos se teram lembrado (e isso sim seria bem mais interessante do que escrever sobre o preço das garrafas D. Perignon), de que foi o Beatle que organizou o pró-patriótico concerto pós-9/11 em Nova Iorque, com a melodia de encerramento a ser usada como slogan "fight for freedom", pela administração Bush na batalha GWOT (Global War on Terror).
Naturalmente a imprensa britânica não acertou nas críticas ao "Live 8", atirando-as deliberamente para o lado mais populista. Blair já tinha ganho nos ecrãs da MTV. Enquanto, a BBC optava por interromper a emissão "live" no momento em que os ecrãs de Hyde Park transmitiam vídeo-choque da fome em África, evocando as técnicas do "Aid" de 1985. Depois de ler alguma impresa internacional, com várias análises ao fenómeno e posições como disse por vezes cínicas e demagógicas sobre um problema dramático, é quase patético, olhar para a ressaca na imprensa nacional. A título de exemplo deixo apenas o mais do que infeliz título do JN de hoje: Reunião dos Pink Floyd acabou por ser a cereja no topo do bolo. A notícia, naturalmente um copy/paste da LUSA, traduz a inércia cada vez maior da imprensa nacional e o desconhecimento do contexto envolvente ao projecto que pouco ou nada tem a ver com o reencontro circunstancial embora simbólico dos cabelos grisalhos de David Gilmour e Roger Waters. Em contraste, a RTP optou pela agressividade do desespero. Faltou profundidade, sobrou emoção. Lamentavelmente, pelo caminho ficou novamente uma oportunidade de debater um assunto tão importante quanto dramático. Entretanto todas as atenções se voltam para a Escócia. Provavelmente, se tudo o resto falhar, a "big thing" será creditada sem sombra de dúvidas a saint Geldof.

Saturday, July 02, 2005

"Live 8"

"Live 8", exemplo interessante de como o fenómeno da globalização, inicialmente satanizada por grande parte da intelectualidade da esquerda europeia, é, de facto, uma via de dois sentidos. Santo Geldof, para além de todas as contradições inerentes a uma figura autocrática, não deixa de reproduzir na música um sentido humanitário tão urgente quanto redentor, há muito ausente na política e esquecido na religião institucionalizada. Desejo um bom começo para esse longo caminho para a justiça e que o G8, um dos maiores símbolos do triunfo da economia privada sobre a "res publica" e sobre o bem comum, dê, já na próxima semana na Escócia, um sinal claro de que a vida humana é para os líderes do mundo bem mais precisosa do que o preço do barril de petróleo. Uma das conquistas da tecnologia é também um aumento da democraticidade dos países ditos desenvolvidos. Não se pode continuar a ignorar a morte de 30 mil crianças por dia. Televisão, rádio, internet, projectos globais unidos a partir de hoje num despertar para a esperança. Esperam-se resultados, abalos de consciência e sobretudo medidas concretas que ajudem a humanidade a acreditar nela própria. "I want to Believe".

Friday, July 01, 2005

Humor